Era o tempo da ditadura de Salazar, Eusébio e a Amália eram os expoentes máximos do país. Ele vinha de Moçambique e a justificação de ser um símbolo de Portugal cabia na noção política de que as colónias não eram países estrangeiros sob o nosso dominio, mas sim uma extensão da pátria, o Portugal ultramarino. Amália, que nasceu perto da Mouraria, era a alma de um povo pobre e triste. Versos como:
"A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente."
decerto fariam as delícias de um regime que queria manter o povo português adormecido, acorrentado à eterna saudade, esse sentimento tão nosso de querer algo, sentir a falta de algo mas sem alguma vez lutar pelo objecto da nossa saudade.
Quando vejo o anúncio de uma cadeia de supermercados alusivo à época de início de aulas e observo o uso dos nomes do Cristiano Ronaldo e da Mariza, não resisto a pensar que a ditadura pode ter acabado mas o país continua o mesmo. O jogador de bola e a fadista, até as coincidências de ele também vir de além mar e ela ter nascido para o fado na Mouraria parece, inconscientemente, comprovar a estagnação portuguesa. E depois a mesquinhice e inveja que continuam a minar o pensamento do português tipico, em vez de ficarem contentes e orgulhosos da Mariza ser reconhecida no estrangeiro, em particular em Inglaterra, antes preferem tecer comentários como "ela assassina os poemas que canta" ou "com estas brasileirices, isto não é fado, ela não é fadista". Volta-se a repetir o que se passou com Amália quando ousou cantar os grandes poetas portugueses ou aceitou a introdução de sonoridades brasileiras por Alain Oulman.
Definitivamente Portugal será sempre Portugal.