terça-feira, julho 24, 2007

Histórias

Ah, como eu odeio palavras! O que não deixa de ser curioso já que sou uma aspirante a escritora.
O meu editor recusou o meu mais recente manuscrito, disse que tinha demasiados lugares comuns. Queixou-se especialmente de uma parte em que eu descrevia um sem abrigo que com extremo cuidado protegia um pequeno urso de peluche já estragado pelo tempo. Afirmou que a ideia era interessante mas que isso de um homem estar tão ligado a um urso de peluche era demasiado Evelyn Waugh. Demasiado Evelyn Waugh?! Desculpe?! Tirando o peluche, o que é que a personagem inventada por Waugh, um Sebastian Flyte da aristocracia inglesa, tem a ver com o que eu escrevi? O que me leva ao facto de eu odiar palavras. Não consegui passar para algo escrito o que senti quando uma noite enquanto deambulava sozinha pelas ruas de Lisboa vi um homem solitário, de barba esquecida e gorro enfiado pela cabeça, a vasculhar caixotes do lixo. Curvado perante a tralha que se amontoava no chão, reparei que um pequeno urso caiu do seu casaco castanho de lã grossa. Mas mais do que o inesperado de ver semelhante objecto entrar em cena, o que me atingiu foi a rapidez com que o homem parou as suas investigações, agarrou no urso, limpou-o com um movimento de pânico e colocou-o de volta no aconchego do casaco que desta vez, certificou-se, ficaria bem fechado. No meio daquela sujidade toda, parecia-me que o facto de ele limpar o brinquedo era totalmente fútil. Mas parando por um momento senti que nem o urso era um mero brinquedo nem o facto de limpá-lo um gesto inútil. Seria a memória fisíca de algum momento bom que ele não queria manchado? Ou na sua solidão seria aquele o único modo de manter a sua humanidade, como que se o facto de poder proteger algo frágil o fizesse sentir com um mínimo de importância ao mesmo tempo que lhe permitia simplesmente dar algo. Às vezes, muito mais do que receber afecto é o acto de puder dá-lo que ajuda a sarar o vazio que nos prespassa, porque faz sentir que temos algo de valor dentro de nós.
De qualquer modo, o gajo da editora não gostou do que escrevi! No entanto lembro-me de quando ele adorou uma série de poemas meus, classificou-os como "Rimbaud encontra William Blake". Às vezes penso que ele é um pouco limitado e tenta esconder isso usando nomes de autores consagrados como forma de crítica, para dar a ideia de que até percebe do que está a falar... Podia ter tomado aquilo como uma confirmação de talento não fosse o caso de saber que estava completamente bêbada quando os escrevi e que apenas me limitei a colocar palavras, às quais achava piada, umas a seguir às outras. Isto tudo leva-me à conlusão de que as palavras são como pequenos blocos de construção e que a literatura como arte é o talento de construir palácios quando, com os mesmos blocos, o resto das pessoas só consegue criar cabanas. Até na vida do costume o mesmo se passa, há pessoas que por dentro podem ter absolutamente nada mas têm este dom de criar coisas com as palavras que hipnotisa quem os ouve. Infelizmente não tenho esse dom, por vezes até parece que paraliso com estes blocos à minha frente e quem me ouve fica com a ideia que sou uma nulidade por dentro só porque não consigo construir algo rapidamente...
Mas pronto, isto é tudo frustrações de uma autora rejeitada... Acho que vou mudar de profissão.