domingo, fevereiro 27, 2005

Histórias

Finalmente consigo levantar a cabeça da sanita. Abro a torneira do bidé e com a mão lavo os restos de vomitado da minha boca. Ao pôr-me de pé vejo o meu reflexo no espelho, que horrível que estou! A minha cara perdeu qualquer resto de cor que pudesse ter, os olhos estão inchados de chorar e a tenho a barba por fazer. Tudo à minha volta teima em não se manter quieto. Já vomitei tudo o que tinha no estômago mas ainda sinto demasiado bem os efeitos da vodka a mais que bebi. Tento voltar para o meu quarto. As paredes do corredor parece que exercem uma atracção irresistível sobre mim pois dou comigo sempre a esbarrar contra elas. Lá consigo chegar ao quarto mas acabo por cair no chão. As luzes da rua passam pela janela iluminando tudo e consigo encontrar a querida garrafa de Eristoff. Apetece-me ouvir música mas são 4.48 da manhã, ponho os headphones porque não posso incomodar os vizinhos... shiiiiiuuuuuuuu... hmmm... o que escolher? Já sei! Basement Jaxx com o seu "If I Ever Recover". A música começa a tocar, estou a suar e sinto-me mal fisicamente mas ainda bem que estou bêbedo. Li algures uma citação de um gajo qualquer famoso que dizia que a bebida é a anestesia para essa operação que se chama Vida, e acho que ele tem toda a razão. Quando estou bêbedo tenho consciência de que me estou a magoar emocionalmente mas sinto absolutamente nada, e isso é óptimo!

"If I ever recover if my soul can mend
Make it through to where I'm older
Find a shoulder find a friend"

Oiço uma voz a cantar... sou eu, oops! Os vizinhos! Desliguei o computador mas não me lembro de o fazer. Acho que a memória está-se a ir mas infelizmente consigo lembrar-me muito bem de todas as coisas que me ferem. Lembro-me de ser gozado pelos rapazes porque preferia estar com as raparigas em vez de jogar à bola com eles, lembro-me do murro que levei por causa disso, tinha apenas 10 anos. Lembro-me da vez que me mandaram pedras e da dor aguda que senti quando uma delas bateu no meu pulso fazendo uma pequena ferida. Lembro-me dos "anormal" e "mutante" que me chamaram, lembro-me de como ainda se riem na minha cara e me olham como se fosse uma aberração da natureza e eu aguentei sozinho sem ter alguém que me compreendesse. Guardei tudo no meu coração e continuei o meu caminho. Mas a solidão está-me a dominar e sinto-me sem forças para enfrentar um futuro onde não existe esperança.

Estou sentado no chão mas já não sinto a cabeça a andar à roda. Arrasto-me até à cama e deito-me. Estou cansado e fecho os olhos pesados, a sessão de tortura acabou por hoje.