terça-feira, novembro 09, 2004

Momentos

Hoje (eu sei, já passa da meia-noite e eu devia dizer ontem) à tarde tinha duas horas para gastar e apeteceu-me ir ao atrium saldanha. Assim que entrei ouvi o som de um piano mas pensei que fosse da instalação de som do atrium, quando ia nas escadas rolantes é que vi que uma mulher estava a tocar piano no piso de baixo. Dei uma volta pelo segundo piso e entrei na livraria da Edições Asa e pronto, desta não escapou e comprei "A Pianista" de Elfriede Jelinek, a nobel de literatura deste ano. Já tinha visto o filme com a Isabelle Huppert e fiquei com interesse para saber aquele "mais" que só um livro dá. Quando saí da livraria ouvi o piano a cantar uma melodia que reconhecia mas não sabia dizer qual era. Na minha mente ecoou então "L'accordéon expire/Alors le geste grave/Alors le regard fier/Ils ramènent leur batave". Lembrei-me, Jacques Brel! Senti um enorme impulso dentro de mim, tinha de estar perto do som! Desci rapidamente as escadas e sentei-me num banco de pedra onde estava um senhor também a ouvir o som. Sobre o piano uma enorme pilha de pautas de canções, ao lado uma cadeira que oferecia apoio ao casaco e aos sacos da pianista. E ali fiquei, a ver esta desconhecida a tocar piano. O segurança de vez em quando lançava uns olhares, razão que juntamente com o facto de os sacos da pianista serem de compras me fez crer que aquele momento era um imprevisto concerto. No fim de "Amsterdam" uma rapariga aproximou-se do piano. Teve uma breve conversa com a pianista e afastou-se. A pianista procurou algo por entre a pilha de pautas e tirou uma. Abriu-a e começou a tocar. Assim que ouvi as primeiras notas não resisti a sorrir. "The Heart Asks Pleasure First" de Michael Nyman. Não sei dizer se ela estava a tocar bem ou não, só sei que estava quase hipnotisada a ver aqueles dedos que sem esforço produziam uma das minhas músicas favoritas. De repente ocorreu-me, eu tinha acabado de comprar o livro "A Pianista" e estava agora a ouvir uma desconhecida pianista a tocar a banda sonora de "O Piano". Sorri de novo. A música acabou. Ouviu-se algumas palmas, a pianista sorriu humildemente. Pegou então no saco e afastou-se do piano. Tinha chegado a minha hora, levantei-me e tomei o caminho para o Técnico a pensar que, apesar de não saber porquê, aquilo tudo tinha-me parecido um momento perfeito.