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Parte I
São 6h00 da manhã.
Acabei de tomar o pequeno-almoço, visto o casaco e saio da casa. Desço as escadas e abro a porta do prédio. Sinto o frio a beijar-me a face, puxo a gola do casaco para cima à espera do reconfortante calor. Não vejo ninguém e a escuridão ainda toma conta das ruas. Lá começa mais um dia. Na paragem de autocarro as pessoas do costume. Não as conheço mas o facto de partilharmos o mesmo sacrifício de acordar cedo faz com que se estabeleça esta relação invisível e o “bom dia!” sai naturalmente. A nossa “carruagem” chega finalmente. É engraçado como nos sentamos sempre nos mesmos sítios, sentarem-se no “nosso” lugar é ofensa só desculpada a passageiros ocasionais daquela hora. Olho pela janela mas o escuro esconde a paisagem e só vejo o meu triste reflexo no vidro. No caminho para o barco da Transtejo a paragem especial aproxima-se e os meus olhos já procuram pelo seu vulto mas não me preciso de preocupar, a sua presença está sempre lá e eu desenho um sorriso. Senta-se sempre à minha frente, deixo de lhe ver o rosto mas a sua voz parece uma melodia. O tempo dessa paragem até chegarmos ao barco são os melhores minutos do meu dia e se ao sairmos do autocarro os nossos olhos se encontram, nem que por breves instantes, é como se eu entrasse no paraíso! Mas o nosso caminho segue diferente, eu vou para Lisboa mas não sou seguida por quem queria.
Dentro do catamaran puxo do cd walkman e oiço o álbum “C’était Ici” de Yann Tiersen. O barco já vai em andamento e o CD continua a tocar:
“When I wake up in Cascade Street
When I wake up in Cascade Street
I don't remember
I don't remember”
Eu já não me lembro. O sol nasce e com ele, como que por magia, esqueço do tanto que me magoei de noite. O barco atraca. Cheguei à cidade.
“airports, railroad stations, highways, streets and foggy lines.
traffic, lights, cars and planes, boats, bicycles and walkers.
now i'm wondering, blind, in the city.
I'm surrounded by towers, made of dirty snow.”
O barulho da cidade que acorda rodeia-me, no entanto os filhos abandonados da noite ainda se vêem no meio de caixotes e pedaços não identificáveis de roupa, provas vivas que a solidão está ao virar da esquina.
“faces, ears and bellies, backsides, legs, fingers and feet.
sweat, tears, dripping bodies, parties, someone is fucked up.
now i'm quiet in this snow, snowy country.
i'm hanging on until i am old, just older than now.”
No fundo hoje é apenas mais um dia como tantos outros, gasto pela rotina que nos anestesia.
Apenas mais um dia.
São 6h00 da manhã.
Acabei de tomar o pequeno-almoço, visto o casaco e saio da casa. Desço as escadas e abro a porta do prédio. Sinto o frio a beijar-me a face, puxo a gola do casaco para cima à espera do reconfortante calor. Não vejo ninguém e a escuridão ainda toma conta das ruas. Lá começa mais um dia. Na paragem de autocarro as pessoas do costume. Não as conheço mas o facto de partilharmos o mesmo sacrifício de acordar cedo faz com que se estabeleça esta relação invisível e o “bom dia!” sai naturalmente. A nossa “carruagem” chega finalmente. É engraçado como nos sentamos sempre nos mesmos sítios, sentarem-se no “nosso” lugar é ofensa só desculpada a passageiros ocasionais daquela hora. Olho pela janela mas o escuro esconde a paisagem e só vejo o meu triste reflexo no vidro. No caminho para o barco da Transtejo a paragem especial aproxima-se e os meus olhos já procuram pelo seu vulto mas não me preciso de preocupar, a sua presença está sempre lá e eu desenho um sorriso. Senta-se sempre à minha frente, deixo de lhe ver o rosto mas a sua voz parece uma melodia. O tempo dessa paragem até chegarmos ao barco são os melhores minutos do meu dia e se ao sairmos do autocarro os nossos olhos se encontram, nem que por breves instantes, é como se eu entrasse no paraíso! Mas o nosso caminho segue diferente, eu vou para Lisboa mas não sou seguida por quem queria.
Dentro do catamaran puxo do cd walkman e oiço o álbum “C’était Ici” de Yann Tiersen. O barco já vai em andamento e o CD continua a tocar:
“When I wake up in Cascade Street
When I wake up in Cascade Street
I don't remember
I don't remember”
Eu já não me lembro. O sol nasce e com ele, como que por magia, esqueço do tanto que me magoei de noite. O barco atraca. Cheguei à cidade.
“airports, railroad stations, highways, streets and foggy lines.
traffic, lights, cars and planes, boats, bicycles and walkers.
now i'm wondering, blind, in the city.
I'm surrounded by towers, made of dirty snow.”
O barulho da cidade que acorda rodeia-me, no entanto os filhos abandonados da noite ainda se vêem no meio de caixotes e pedaços não identificáveis de roupa, provas vivas que a solidão está ao virar da esquina.
“faces, ears and bellies, backsides, legs, fingers and feet.
sweat, tears, dripping bodies, parties, someone is fucked up.
now i'm quiet in this snow, snowy country.
i'm hanging on until i am old, just older than now.”
No fundo hoje é apenas mais um dia como tantos outros, gasto pela rotina que nos anestesia.
Apenas mais um dia.
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